O governo Lula irritou o mercado – e, por tabela, a grande mídia – ao apresentar seu projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2025. O texto foi enviado nesta segunda-feira (15) ao Congresso Nacional.

Por trás da grita está a desaceleração do ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O centro das novas “regras fiscais” seria a entrega de um déficit primário zero em 2024, seguido de dois superávits primários seguidos – 0,5% em 2025 e 1% em 2026.

A proposta para a LDO 2025, porém, revê essas metas. Em 20225, em vez de um superávit primário, o objetivo volta a ser déficit zero. O superávit viria de forma mais gradual – de 0,25% em 2026 para 0,5% em 2027, até chegar a 1% em 2028.

Quem estiver mal informado e se contentar com o noticiário desta terça (16) pode ter a impressão de que o Brasil desabou. O mercado reagiu, e o dólar atingiu seu maior valor em um ano. Segundo O Globo, “a responsabilidade fiscal é pré-requisito para o Brasil manter taxas elevadas e sustentadas de crescimento, com aumento de renda e emprego”.

O sempre mal-humorado Estadão diz que o novo arcabouço fiscal, sucessor do nefasto teto de gasto, foi “desmoralizado” com “os imperativos populistas e eleitoreiros de Lula da Silva”. A Folha de S.Paulo fala em manobra orçamentária e conclui, afoita, que “não será fácil para o Planalto cumprir os compromissos assumidos”. Há subjetividade demais e coerência de menos nesse conjunto de críticas.

Lula não prometeu déficit zero em momento nenhum da disputa eleitoral de 2022. Seu programa de governo era claro, por sinal, quando ele recebeu 60,3 milhões de votos, derrotou o então presidente Jair Bolsonaro e conquistou um terceiro mandato na Presidência da República. Em aceno ao mercado, a campanha de Lula frisava, sim, a garantia de uma política econômica marcada por “credibilidade, previsibilidade e estabilidade”.

O fetiche do déficit zero assanhou a grande mídia posteriormente, já com Haddad no Ministério da Fazenda. De acordo com o ministro, o novo arcabouço fiscal era mais razoável e exequível do que o teto de gastos – até porque dificilmente um governo conseguiria fazer algo mais draconiano.

Os jornalões chegam a esconder as mais urgentes demandas sociais para exaltar a austeridade fiscal. Reconhecem que há no Brasil fome crônica, extrema pobreza, precarização do trabalho e risco permanente de carestia. Mas tudo isso pode esperar porque – diz O Globo – “a visão de curto prazo pode trazer alívio imediato, para, em seguida, os problemas voltarem com força”. O povo, sobretudo a população mais vulnerável, de baixíssima renda, que espere.

Só que este não é o projeto vitorioso nas urnas em 2022. Nem tampouco o ajuste fiscal tem respaldo da base do governo Lula no Congresso. O PCdoB, por exemplo, já frisou que a meta de déficit zero já em 2024 é um dos “óbices e limites” para o cumprimento do programa de governo. Segundo o partido, o déficit zero, “sob pressão dos setores financeiros”, força “as despesas a crescerem mais lentamente do que a arrecadação”, além de ser uma “meta irrealizável”.

Lula pode ter recuado em relação ao que sugeriu em 2023, mas não recuou no objetivo central de seu governo – a reconstrução do Brasil, com estabilidade, soberania, reindustrialização, crescimento, geração de emprego e renda. A rigor, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias pode avançar ainda mais nessa direção.

Medidas como o novo aumento real do salário mínimo – estimado em 6,39%, de R$ 1.412 para R$ 1.502 – são positivas, mas não suficientes. Quando se fala em déficit ou superávit primário, entende-se que a conta já exclui o pagamento de juros da dívida pública.

Em 2023, dos R$ 4,36 trilhões do orçamento da União que foi efetivamente executado, nada menos que R$ 1,89 trilhões – o equivalente a 43,23% – foram destinados aos juros. É menos do que os 46,3% pagos pelo governo Bolsonaro em 2022 – mas é muito mais do que se espera de um governo de feição popular e progressista.

As metas fiscais podem ficar até 0,25% acima ou abaixo do percentual fixado em lei. Assim, na projeção do governo, a margem para um déficit em 2025 é de até R$ 31 bilhões (considerando um PIB de R$ 12,4 trilhões). A crer no mercado, devemos deduzir que resolver um déficit anual de R$ 31 bilhões é mais fácil do que realocar, no mesmo ano, uma cifra inferior a 1% dos R$ 1,89 trilhões destinados ao setor financeiro via pagamento de juros e amortizações. Quem acredita em terra plana pode concordar com essa lorota.

Por ora, o déficit zero para 2025 está adiado, congelado, suspenso – e nem por isso o Brasil adernou. As previsões de crescimento no ano seguem em viés de alta. Lula mantém seu compromisso com a responsabilidade fiscal, não com o austericídio.

Ademais, como diz o ditado, “quem quer ouvir a todos acaba não sendo ouvido por ninguém”. Lula precisa escutar mais os clamores do povo brasileiro. Este, sim, lhe deu um voto sincero de confiança e espera transformações no País. Uma vez que já se foi quase um ano e meio de governo, convém não contar tanto com a sorte.